Na língua portuguesa, dizem que os artigos são “O” e “Um” — que ambos são variáveis e concordam em gênero e número com o substantivo. Dizem também que, pelo discurso ou pelas circunstâncias, são determinantes ou não.
Mas talvez não seja só isso.
Ou apenas isso.
Na gramática, os artigos são classificados como palavras que antecedem os substantivos:
“O menino” — um ser já conhecido.
“Um menino” — um ser qualquer, que acaba de nascer no dizer.
Mas, como toda estrutura viva, há mais do que se vê na superfície.
Há um poder oculto — não nas palavras em si, mas na forma como elas se lançam no mundo.
Ao meu ver, o artigo é muito mais poderoso.
Ele, por si, tem poder de substanciar qualquer coisa.
Eleva tudo o que coloca à sua frente.
E quando não torna algo próprio, altera-lhe a substância.
Simples assim — como são as forças que não precisam provar sua grandeza.
Há diferença entre:
“A laranja” e “O laranja”,
“Uma capital” e “Um capital”.
Tão sutil, ínfima — e ainda assim, produz a diferença.
O artigo não apenas nomeia a coisa — ele a faz ser nomeável.
O substantivo sem artigo está no plano da ideia bruta.
Com artigo, ganha rosto, corpo, chão.
O artigo opera uma transubstanciação semântica, como uma unção verbal que transforma o “nada” em “algo”, o informe em imagem.
A origem do termo é reveladora: o artigo é uma junta, uma parte vital do corpo do dizer.
Ele não é acessório — é articulação, literalmente.
Dá mobilidade ao sentido, como uma engrenagem que permite ao discurso fluir.
Mais ainda:
Ele encaixa o nome ao mundo.
Ajusta a ideia à realidade.
É a tecedura do significar.
Ele conecta o nome ao mundo, o substantivo ao sentido.
Sem artigo, o substantivo é nu;
com ele, ganha gravidade ou leveza, presença ou anonimato.
Pensemos:
Liberdade é uma ideia.
A liberdade é agora uma entidade.
Uma liberdade é uma experiência.
✦ A raiz da força
A etimologia de “artigo” vem do latim articulus — uma pequena junta, membro, parte essencial.
Da raiz indo-europeia, temos:
ar- = ajustar, encaixar, unir.
Desde sua origem, o artigo é aquilo que liga, articula, dobra, move.
Ele pertence ao corpo.
Sem ele, a fala trava.
Com ele, a linguagem respira.
Aqui, a articulação torna-se uma dinâmica invisível.
O artigo não para o fluxo da frase, ele a sintoniza.
É como o silêncio entre duas notas — sem ele, a música colapsa. 🎶
Ao dizer “o”, “a”, “um”, “uma” — a linguagem se curva e se oferece.
Numa frase, em seu interior, ele determina, pertence à estrutura e faz seu movimento.
Ele é articulação viva.
Traz em si a vibração da raiz:
Ajustar!
No fim, ele é aquilo que a própria poesia tenta fazer: trazer ao mundo o que ainda não estava lá.
✦ A Pedra
O artigo é como uma pedra estratégica — no Go, no xadrez, no jogo simbólico da vida.
Ele não vence sozinho, mas transforma toda jogada.
É a peça que, colocada no lugar certo, muda o campo inteiro. ♞
Mas mais ainda:
O artigo é como A Pedra.
A filosofal.
Aquela que, quando posta com intenção, transmuta o composto em substância viva.
Como um alquimista que vislumbra o informe, o código — reúne então os elementos e, com pequena porção, produz o elixir da vida.
O verbo flui.
A palavra se forma.
A substância se acende.
✦ E o teu Tu?
E tu, leitor?
Como tens usado teus artigos?
Como utilizas tua energia de articulação no mundo?
Teus “O”s e “Uns” são gestos vazios —
ou pontes para a substância?
Em:
“O seu sonho, O Ser ou o A + Tu = Sua, da tua vida” —
quem determina O teu agir,
O presente do teu Ser,
O fluir?
O que de ti se torna real…
quando começas a determinar
O protagonista, O diretor e O produtor da tua história?
A quem se dará tamanho poder?
🪶 Epílogo
O artigo vem da carne das palavras.
Ele é dobra, não ponto.
É o que permite o verbo respirar
e o substantivo pousar.
Da raiz que junta,
ele faz brotar presença.
E por isso,
o artigo é mais que gramática:
é gesto inaugural do ser no dizer.
E este artigo,
O que lê,
é só Uma provocação —
distante do O,
mas
Um artigo, também.